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Fragmentação e Poder

Zeitgeist é um termo alemão cuja tradução significa “o espírito do tempo” ou “espírito de uma época”. Qual é o espírito do nosso tempo? Castells aponta que estamos vivendo uma revolução na forma de se comunicar que só encontra paralelos na invenção do alfabeto. A história já nos mostrou que se há uma revolução, certamente também há uma contra-revolução. Talvez isso explique por que em plena democratização da mídia o tema liberdade de expressão esteja em pauta em muitos seminários e congressos.

Nos dias 24 e 25 de março deste ano, participei de um seminário sobre liberdade de expressão no Memorial da América Latina, São Paulo. O evento contou com a presença de Alberto Dines, Eugênio Bucci, José Maria Mayrink , Demétrio Magnoli, entre outros. Apesar da era da informação propiciar o surgimento de inúmeros sites, blogs e, de aparentemente, democratizar a informação, a impressão que tive é de que estamos caminhando em terreno perigoso.

São duas as correntes que disputam a atenção da sociedade em um momento delicado de nosso crescimento democrático.  Durante o seminário, o sociólogo Demétrio Magnoli, colunista do Estado de S. Paulo e O Globo, expôs a doutrina contemporânea do “terror midiático”, surgida após um congresso na Venezuela, onde a mídia é vista como um campo de batalha a ser observado pelo estado. A doutrina prega o controle social da mídia. Cartilha pela qual, reza o governo atual no Brasil, na opinião do sociólogo. Magnoli também participou, semanas atrás, do 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, organizado pelo instituto Millenium. O instituto se diz defensor dos valores fundamentais para a prosperidade e o desenvolvimento humano da sociedade brasileira. Dentre seus membros citamos: Roberto Civita, presidente do Grupo Abril, João Roberto Marinho, vice-presidente das organizações Globo, Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, dentre outros, e tem como presidente, Patrícia Carlos de Andrade, ex-funcionária do banco Icatu e JPMorgan. O fórum deixou bem claro ser totalmente contra qualquer tipo de controle social da mídia. Atacou o atual governo de querer fazê-lo e nas palavras de Arnaldo Jabor, a questão principal “é como impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo”?

Por outro lado, Dines aponta em sua fala que “fazer jornalismo hoje no Brasil e na América Latina está se tornando mais difícil e mais complicado do que no passado recente”. Mais até do que nos “tempos de chumbo”, um pouco disto devido aos lobbys dos conglomerados de comunicação. Para o jornalista, “na verdade somos o campo de batalha onde se trava uma guerra escancarada pela conquista dos corações e mentes em sociedades carentes de referências primárias e atordoadas pelo excesso de informações secundárias”.

Por fim, as evidências de que a organização religiosa Opus Dei e universidade de Navarra, estendem suas influências no jornalismo brasileiro, através do curso Master em Jornalismo, um programa de capacitação de editores que já formou mais de 200 cargos de chefias dos principais jornais do País, demonstram que essa batalha está longe do fim.

Por diversas vezes, mídia e poder se relacionaram promiscuamente. Se a era da informação não conseguiu ainda democratizar os meios de comunicação, uma coisa é certa, ela está fragmentando a audiência. Em entrevista ao Interação Midiática, a pesquisadora Cosette Castro analisa a questão da fragmentação da audiência via as tecnologias de informação, em especial, a TV Digital.

Interação Midiática: Na história da América Latina a mídia sempre teve um importante papel de consolidação de alguns estados de direita, Chávez tenta quebrar essa condição de uma maneira mais radical, você acredita que a fragmentação da audiência, ocasionada pelas novas tecnologias poderá alterar esse poder de influência da mídia?

Cosette Castro: Vamos ver. A fragmentação das audiências não começa com as TICs, mas com a chegada da TV por assinatura, em suas diferentes modalidades, que também é um tipo de tecnologia  paga. Estamos falando nos anos 80 do século XX. Embora a TV por assinatura não tenha tido uma papel fundamental no Brasil, ela é super importante em outros países como Argentina, Chile, EUA, por exemplo. Na Argentina a população que tem TV por assinatura é de quase 80% e eles seguem vendo TV. Aliás, como em outros países, a população assiste TV por assinatura muito mais por problemas geográficos e de recepção de imagem. Não creio que a chegada das TIC vai alterar a influencia de mídias como a TV, mas sim de jornais, que são pouco lidos na Região dada a cultura audiovisual que temos. Veja, creio que essa fragmentação ajuda as audiências, pois pela primeira vez na história as mídias, as grandes empresas de comunicação, não são o único espaço para receber informações. Assim circulam outras versões dos fatos e o que temos são audiências mais rápidas, exigentes e inquietas, usando diferentes plataformas tecnológicas.

IM: Então você não acredita como dizem alguns, que a TV aberta irá ser afetada pelas novas tecnologias a ponto de alterar seu papel social, principalmente no Brasil?

Cosette: A pessoa pode não ter TV digital interativa (ainda) ou mesmo acesso a computador mediado por internet, mas têm celulares, que hoje chegam a 176 milhões no país (dados da revista Convergencia Digital) e recebem as noticias por torpedo. Ou por meios alternativos a mídia oficial, como as rádios comunitárias. Isso ocorreu na Venezuela. Creio que vamos ter todo o tipo de conteúdo, mas com um diferencial, a TVD interativa vai oferecer Ead, serviços públicos, redes sociais, ampliando e não diminuindo seu papel social, particularmente em países como o Brasil, onde 98% da informação chega através da televisão, que além disso, tem um papel socializador super importante. A TV aberta e gratuita vai competir com as outras plataformas, mas as pessoas já sabem como usá-la, conhecem o controle remoto e fica mais fácil adaptar-se a passagem da TV analógica para a digital.

IM: Há um problema ainda não resolvido que é a questão da publicidade. Qualquer uso do aparelho de TV para outra coisa que não a exibição de programas produzidos pelas emissoras é mais um desafio ao modelo de negócios da TV aberta. A interatividade é bem vista pelas emissoras?

Cosette: Vamos por partes. A TV aberta, gratuita e pública tem esse papel e a responsabilidade de desenvolver canais da Cultura, da Educação (já existe, mas adaptá-lo a interatividade), da Inovação e os canais informativos da EBC (Empresa Brasileira de Comunicação). Isso por si só já é um desafio para a TV pública, o que inclui pensar os canais do legislativo e judiciário, comunitários e universitários. No caso das primeiras TVs públicas que comentei acima, há a oportunidade histórica de tomarem a frente desse processo e mostrarem diferencial - via interatividade, convergência de mídias, mobilidade e multiprogramação - em relação as TVs abertas comerciais que só vão apostar na interatividade quando o modelo de negócios estiver claro. Há quatro anos nos congressos da SET (Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão), a Rede Globo nem aceitava falar em interatividade e multiprogramação. Esse discurso vem mudando ano a ano e a Globo criou um departamento de novas mídias que não deixa ninguém chegar perto. Acredito que eles estão se esperando alguma empresa dar o primeiro passo para mostrar o que têm.

IM: Certamente teremos, então, uma situação de interesses opostos entre governo X emissoras privadas?

Cosette: Já há agencias de publicidade em SP desenvolvendo comerciais para TVD interativa. Sem dúvida, mas isso era de se esperar. As empresas querem lucrar e ter o menor gasto possível. Esses gastos não são apenas no campo das tecnologias. São também no investimento e desenvolvimento de novos conteúdos e na formação e atualização do pessoal da área técnica e criativa para as possibilidades da TVD i. Isso se reflete nas reuniões do Fórum Brasileiro de TV Digital, onde aparecem os diferentes interesses da indústria, que não queria embutir o middlewere Ginga nas TVDs; até que a LG foi lá e fez. Agora a área industrial tem que correr atrás. Também entre os lojistas havia ‘corpo mole’ em oferecer os televisores ou caixas de conversão a preços baixos. Houve toda uma negociação do governo para viabilizar produtos mais baratos aos consumidores. Isso começa a aparecer agora, com os grandes lojistas oferecendo prestações para a população. E entre as empresas de comunicação, então; tentaram barrar interatividade; ou celulares que ofereçam os dois canais gratuitos de TVD. Faz parte dos diferentes interesses. Mas o Fórum está ali, representando o governo e as empresas, indústrias, academia. É muito interessante observar esses movimentos.



Fontes

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=583JDB001
http://www.imil.org.br/institucional/quem-somos/
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4561
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT1106784-1664-9,00.html




Cosette Espíndula de Castro
Atualmente desenvolve estudos de Pós-Doutorado na Cátedra da Unesco de Comunicação/Metodista. É doutora em Comunicación y Perodismo pela Universidade Autônoma de Barcelona/ Espanha, país onde viveu entre 1998 e 2003. Defendeu a tese em 2003, quando recebeu nota 10 com louvor. Possui mestrado em Comunicação e Cultura pela PUC/RS (1997); Especialização em Educação Popular pela Unisinos/RS (1996) e graduação em Jornalismo pela Universidade Católica de Pelotas/RS (1984). É coordenadora do GT de Contenidos Digitales da Sociedade da Informação para América Latina e Caribe e coordena o GP de Conteúdos Digitais e Convergência Tecnológica da Intercom. É pesquisadora CNPq, onde coordena o grupo de Pesquisa sobre Comunicação Digital e Interfaces Culturais na América Latina.

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