Texto publicado em : Observatório da Imprensa
Postado por Carlos Castilho em 2/7/2010 às 17:06:24
Com a venda do jornal Le Monde, há dias, todos os grandes jornais franceses trocaram de dono nos últimos quatro anos e passaram a ser controlados por grupos de milionários cujo interesse na imprensa ainda é um grande mistério.
O caso francês é talvez o mais ilustrativo da grande mudança corporativa que está acontecendo em quase todo mundo, envolvendo a indústria de jornais e revistas de atualidade. As grandes famílias que dominaram a imprensa mundial durante décadas estão sendo substituídas por investidores e personalidades do mundo econômico cujo envolvimento com os jornais se limitava às colunas sociais.
Entre os sobrenomes importantes que ainda sobrevivem encontram-se os Sulzberger, que lutam desesperadamente para manter o controle do The New York Times, a família Murdoch, do império anglo-americano News Corporation e o grupo alemão Axel Springer, da família Springer que controla 150 jornais em 30 outros países europeus.
O Le Monde foi no passado um ícone da intelectualidade francesa, com uma posição de centro-esquerda e o único dos grandes jornais mundiais a ser dirigido por uma cooperativa de seus jornalistas. A partir dos anos 1990, o matutino francês ingressou num período de turbulência financeira e sindical, causa e conseqüência da queda contínua de receitas publicitárias e de vendagem.
Após várias trocas de diretores e de tentativas frustradas de salvamento financeiro, o Le Monde chegou ao final de maio com seu caixa reduzido a zero e sem condições de pagar salários. O fechamento definitivo era inevitável quando o presidente Nicolas Sarkozy resolveu transformar um problema corporativo numa questão político-eleitoral.
O presidente francês juntou um grupo de simpatizantes endinheirados para assumir o controle do jornal, mas aí veio a reação dos jornalistas que saíram à cata de apoios financeiros e acabaram votando majoritariamente por associar-se a dois milionários, um deles ligado a uma empresa telefônica e outro ao grupo econômico criado pelo estilista Yves Saint Laurent (1936-2008). Ambos são desafetos de Sarkozy mas prometeram manter a independência editorial da redação do Le Monde.
Com isso, toda a imprensa francesa caiu na mão de milionários. O jornal Le Fígaro, o maior do país, é controlado desde 2004 por Serge Dassault, que controla a mais importante fábrica de armamentos da França, enquanto o banqueiro e aristocrata Edouard de Rotschild dita as regras no Libération, um jornal que já foi a bíblia da esquerda francesa. Outro sobrevivente da antiga imprensa socialista francesa é o L’Échos, foi comprado em 2007 pelo milionário Bernard Arnault.
O que intriga neste processo de mudança de controle corporativo na indústria dos jornais é o real interesse dos novos donos. A imprensa, como negócio, perdeu seu charme como geradora de grandes lucros desde que a internet provocou uma crise no modelo de produção adotado pelos jornais convencionais. Nenhum dos novos donos de jornais pode, em sã consciência, pensar numa rápida volta da euforia financeira dos anos 1970 e 80.
Resta a hipótese de que os novos barões da imprensa estejam pensando mais em adicionar o título de mecenas à sua biografia; ou então que eles tenham assumido a função de sucateadores de impérios jornalísticos em agonia. Esta última possibilidade é descartada em nome da sanidade mental, pois ao que tudo indica nem Dassault e nem Arnaud ou Rotschild estão queimando dinheiro.
Nos Estados Unidos e na Inglaterra, as famílias Sulzberger e Murdoch, este última de origem australiana, estão tentando manter os seus respectivos negócios por meio de inovações tecnológicas que procuram manter vivos os títulos mas sacrificando quase toda a estrutura tradicional dos jornais que serviram com estandarte corporativo durante décadas.
Aqui no Brasil, as famílias Mesquita, Frias, Marinho e Sirotsky, para citar apenas as mais poderosas, já não têm mais a vida tranqüila de outros tempos, mas não enfrentam os mesmos dilemas imediatos de suas congêneres na Europa e Estados Unidos. A questão é que a crise no modelo de negócios dos jornais não é exclusiva da Europa e Estados Unidos. É um fenômeno mundial porque afeta uma estrutura de produção.
Nossas famílias da imprensa procuram fazer os ajustes da forma mais silenciosa possível para não chamar a atenção de investidores ou milionários estrangeiros. Elas agem com um invejável espírito de grupo, como pode testemunhar Nuno Vasconcellos, diretor do grupo português OnGoing, que comprou o jornal carioca O Dia.
A única coisa que parece certa é que os novos donos de jornais estão decididos a manter a falta de transparência dos negócios da imprensa que caracterizou as gestões familiares. E hoje, quem gerencia a informação pública precisa ser transparente para que o seu produto tenha credibilidade junto aos leitores.
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