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Opinão - Quem desdenha quer comprar?

Texto publicado em: Meio&Mensagem

Por que investidores financeiros — como se intui, não rasgam dinheiro — têm se disposto, em meio à crise econômica norte-americana, a comprar jornais diários impressos? Por Carlos Eduardo Lins da Silva*


Muita gente insiste na tese de que os jornais impressos estão fadados ao desaparecimento, só não sabe bem em quanto tempo (alguns palpites de que isso ocorreria já nesta década devem estar sendo revisados).
Em nenhum mercado os indícios de que a tese é poderosa são maiores do que no dos EUA, onde a sangria de publicidade e venda avulsa já dura duas décadas e não dá sinais de que possa estancar cedo.

Mas se é assim mesmo, por que investidores financeiros - que, como se intui, não rasgam dinheiro - têm se disposto, em meio à crise econômica mais séria da história do país desde a Grande Depressão de 1929 e que se alonga há quatro anos, a comprar jornais diários impressos? Apenas no segundo semestre do ano passado, foram adquiridos The San Diego Union-Tribune, The Chicago Sun-Times, The Omaha World-Herald, The San Francisco Examiner e 16 títulos regionais que pertenciam ao grupo do New York Times. Em 2011 inteiro, 71 jornais foram vendidos por uma soma total próxima de US$ 1 bilhão, quantia que não se joga fora à toa.

Entre os compradores, há gente e grupos que sabem ganhar dinheiro: Warren E. Buffett, Philip F. Anschutz, o Halifax Media Holdings o Black Press Group, além de novos atores, como a Wrapports. Os motivos podem ser diversos: como todos estão relativamente mal, esses veículos podem ser comprados “na bacia das almas”, o que sempre é um chamariz para quem está acostumado a negociar; com uma radical reestruturação, alguns podem até se tornar lucrativos em pouco e por pouco tempo, depois do qual o investidor pode se livrar deles; há milionários que acham ter chegado sua hora de fazer contribuições cívicas para a sociedade e manter jornais em circulação é considerada por muitos uma boa causa.

O San Diego Union-Tribune, por exemplo, um dos negociados há poucos meses, havia sido comprado em 2009 por um grupo de private equity chamado Platinum Equity por US$ 50 milhões.
Após uma recauchutada, o Platinum o passou à frente por US$ 110 milhões, com uma excelente margem de lucratividade, portanto, ainda mais em tempos bicudos como estes.

O Platinum Equity ficou tão orgulhoso do negócio, que resolveu dividir a receita da mágica: na internet, estão as oito iniciativas-chave que, segundo ele, explicam o sucesso da operação com o Union-Tribune que, sem dúvida, os novos donos pretendem repetir agora.
Outra possível razão econômica para a cobiça de investidores por jornais pode ser de mais longo prazo. Em geral, jornais são donos de grandes edifícios localizados em boas áreas das suas cidades.

Pode ser uma boa alternativa vender esses prédios e terrenos para fazer caixa e reformar o jornal ou simplesmente para aumentar a lucratividade mudando a operação para áreas mais baratas.
O novo dono do Union Tribune (que alterou o nome do jornal para U-T San Diego) é um veterano do mercado imobiliário local, que admitiu estar em seus planos ocupar a atual sede do diário com novos empreendimentos.

Enquanto isso não ocorre, ele usa o veículo que comprou em atividades mais tradicionais do negócio jornalístico: tem publicado editoriais, inclusive em primeira página, e reportagens para exortar as autoridades municipais a alterar legislações e implantar audaciosos projetos de construção civil na cidade.

Mas também há entre os compradores de jornais quem veja como os principais ativos de sua compra o conteúdo dos jornais e a sua relevância política e social.
Muitos podem até achar que a versão impressa um dia vá desaparecer ou nunca ser muito lucrativa, mas têm planos para versões digitais e outras ações em que credibilidade possa ser de grande importância para os negócios.

Há quase um consenso entre analistas do negócio jornalístico que o conteúdo local ou hiperlocal tende a ser mais e mais apreciado pelo público, seja no papel, seja na internet. Por isso, veículos tradicionais em cidades, em especial as médias e pequenas, são considerados valiosos.

Walter Isaacson, que foi diretor da revista Time e CEO da CNN e é um dos mais argutos conhecedores da indústria da mídia, em recente entrevista ao programa Roda Viva na TV Cultura, disse que, em sua opinião, o impresso nunca vai acabar: pode ter seu público reduzido a até um terço do total, mas sempre terá seu nicho.
Talvez esta seja a razão principal por que esses investidores ainda apostam seu dinheiro nos jornais impressos diários.

*Carlos Eduardo Lins da Silva, editor da revista Política Externa e diretor do Espaço Educacional Educare, escreve uma vez por mês para Meio & Mensagem. Este artigo foi publicado na edição 1500, de 12 de setembro.

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