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Brasileiro estuda implantação da TV Digital em Portugal

Texto publicado em: RTP -

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"Lóbis económicos" influenciaram a "qualidade inferior" do modelo de TDT


Por: António Granado

Portugal não aproveitou todas as potencialidades da Televisão Digital Terrestre (TDT) e acabou por estabelecer um modelo de qualidade "muito inferior" ao de outros países da União Europeia, escreve o investigador Sérgio Denicoli na sua tese de doutoramento, que hoje foi tornada pública pelo Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho. A culpa desta situação de desvantagem em relação a outros países, diz Denicoli, é dos "lóbis económicos" existentes em Portugal.

Foto: RTP
 "Os lóbis económicos, que, no caso português, parecem ser intrínsecos aos lóbis políticos, conseguiram fazer com que fosse estabelecido um modelo de TDT de qualidade muito inferior ao apresentado pela maioria dos países da União Europeia e muito aquém do que os operadores de TV paga ofereciam aos seus clientes", escreve Denicoli na sua tese de doutoramento. "As vantagens obtidas pela Portugal Telecom no processo, com o aval da Anacom, levaram às suspeitas de que o regulador teria sido capturado pela empresa, passando a agir em seu benefício. Esta possibilidade teria ocorrido devido, sobretudo, ao fenómeno da ‘porta giratória', que diz respeito às trocas de cargos entres as agências reguladoras, o governo e o mercado."

No trabalho de investigação, que levantou enorme polémica na semana passada aquando da sua apresentação, Denicoli sustenta que estas trocas entre empresas, regulador e Governo podem ser analisadas com base da Teoria da Captura, desenvolvida por vários investigadores da Escola de Chicago. "Diante da Teoria da Captura, que optamos por escolher como base para as análises das relações entre o governo, o regulador e o regulado, nos processos de implementação da TDT portuguesa, debruçam-se também estudos que ligam as práticas de captura regulatória à corrupção, conforme demonstra Boehm (2007)", escreve Denicoli. "O autor cita a Transparência Internacional, que define corrupção como sendo um abuso de poderes acreditados para obter ganhos privados. Boehm (2007) afirma que tal definição vem crescendo como consenso e, através dela, o autor afirma que a captura regulatória é também uma forma de corrupção."

Para o investigador da Universidade do Minho não há dúvidas de que todo o processo de implementação da TDT em Portugal pode ser lido à luz da Teoria da Captura: "Os sintomas mais claros de que havia uma captura foram a ação do regulador de forma a facilitar a formação de monopólios por parte da PT, a falta de disputas jurídicas entre o regulador e o regulado, as ligações da direção da Anacom, diretas ou indiretas, com a Portugal Telecom e seus acionistas, a anulação da obrigação da empresa arcar com os custos para a receção televisiva nas zonas de sombra, e as assimetrias de informações referentes à TDT."

Segundo o investigador "a influência da PT, impulsionada pela sua relação de proximidade com o Estado, teve como consequências ações que deixaram evidentes a possibilidade da empresa ter capturado a Anacom e obtido do regulador o apoio necessário para que expandisse o serviço MEO, ao mesmo tempo em que estruturava as emissões digitais terrestres da TV aberta". E insiste que esta captura se deu através da "porta giratória", publicando mesmo um quadro que mostra a ligação entre os currículos públicos dos membros da administração da Anacom que participaram na implementação da TDT e os partidos políticos e empresas privadas.




"Neste ciclo de relações, a sociedade civil é o elo mais fraco e seus interesses acabam sendo suplantados por interesses de grupos potencialmente mais persuasivos", conclui o investigador. "Mas, quando os interesses privados se sobrepõem, como ocorreu no caso da TDT portuguesa, o resultado para os cidadãos é um modelo desigual, ineficiente, que não garante segurança e onde a liberdade do cidadão não foi primordial para a definição das políticas."

Ontem, o presidente executivo da Portugal Telecom, Zeinal Bava, anunciou que a sua empresa já pôs em tribunal o autor da tese e sublinhou que a polémica instalada não tem "nada a ver com a honestidade ou desonestidade intelectual" no relatório que foi escrito, mas sim com uma "acusação de corrupção à PT e à Anacom": "Se nos acusam de ser corruptos, quem não sente não é filho de boa gente, por isso temos de deixar que os tribunais avaliem se houve essa corrupção e do que é que se trata, porque nós desconhecemos".

A tese de Sérgio Denicoli foi hoje entregue pela Comissão de Trabalhadores da RTP à Procuradoria-Geral da República, no âmbito de uma reunião para "pedir esclarecimentos sobre a sequência que foi dada, se foi dada alguma, à participação que apresentou em janeiro deste ano, por eventual violação de interesses difusos dos cidadãos no processo de introdução da TDT em Portugal", refere um comunicado ontem divulgado.

Para a Comissão de Trabalhadores da RTP, "se o Ministério Público fez, como deve supor-se, o que lhe compete, várias perguntas essenciais do processo agora intentado pela Portugal Telecom contra o investigador já terão entretanto uma resposta pronta. Poupar-se-á tempo e dinheiro dos contribuintes, bem como os prejuízos resultantes de um processo incorreto de introdução da TDT em Portugal se a participação não tiver ficado na gaveta."

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