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O YouTube vai invadir a sua televisão

Texto publicado em: Opinião e Notícia

O site de vídeos caseiros sobre cães que andam de skate está prestes a se profissionalizar. Por John Seabrook

Em uma noite chuvosa no final de novembro, Robert Kyncl se encontrava no escritório da Google, em Nova York, divagando sobre o futuro da televisão. Kyncl é um dos executivos-chefes dentro do YouTube, hoje controlado pela Google. Ele também é o arquiteto da maior transformação cultural na história da empresa de compartilhamento de vídeos, criada há sete anos.

Empunhando uma caneta preta, Kyncl traçou a história da televisão como uma espécie de big bang: primeiro a expansão dos canais, seguida da fragmentação da audiência em pequenos mercados de nicho. ”Os telespectadores foram estreitando suas preferências e hábitos na hora de ver TV”, explicou, “e nós achamos que eles vão continuar a seguir este caminho, passando mais e mais tempo nos canais especializados, porque agora a paisagem de distribuição de conteúdo permite mais estreiteza”.

As pessoas preferem nichos, porque “a experiência é mais envolvente”, Kyncl continuou. “Por exemplo, não há canal de equitação na TV a cabo. Muitas pessoas assistiriam a um canal dedicado ao tema, e há muitos anunciantes que gostariam de um mercado só para eles, mas não há nenhum canal sobre equitação por causa dos altos custos, que não compensam os riscos. Já na internet, o usuário não só gera o conteúdo, como ele pode escolher o que quer ver na hora que quiser, e o conteúdo está sempre disponível.

Batalha de Titãs

Durante os últimos 60 anos, os executivos de TV têm decidido o que vemos em nossas salas de estar. Kyncl gostaria de mudar isso. O YouTube, armazém de videos de má qualidade capturados no celular e exibindo cães que andam de skate, vai se profissionalizar. Kyncl recrutou produtores, editores, programadores e artistas da mídia tradicional para criar mais de uma centena de canais, a maioria dos quais vai estrear nos próximos seis meses, no que podemos chamar de YouTV. Streaming de vídeo compartilhado pela internet, está prestes a desafiar a TV tradicional em uma batalha pela atenção do grande público.

De acordo com a consultoria Forrester Research, até 2016 metade de todas as famílias terão dispositivos Wi-Fi habilitados em suas televisões, trazendo todos os novos canais da internet para os telões de plasma na sala. A única maneira de as emissoras e empresas de TV a cabo continuarem a crescer será através da compra de alguns canais na internet.

Trajetória do YouTube

O YouTube foi criado por três ex-funcionários da PayPal em uma garagem no Vale do Silício, no início de 2005. De acordo com dois dos fundadores, Chad Hurley e Steven Chen, um designer gráfico e um engenheiro de software, respectivamente, a ideia surgiu durante um jantar na casa de Chen em São Francisco, no inverno de 2004-05.

Convidados tinham feito vídeos uns dos outros, mas não podiam compartilhá-los facilmente. Então, os fundadores imaginaram uma versão em vídeo do Flickr, o popular site de compartilhamento de fotos. Todo o conteúdo seria gerado pelos usuários: “Verdadeiros videoclips pessoais que seriam capturados e inseridos por pessoas comuns”, disse Hurley, descrevendo sua visão.

Uma versão beta do YouTube entrou no ar em maio de 2005. Na época seu banco de dados já armazenava várias dezenas de vídeos, fornecidos principalmente pelos fundadores da empresa e seus amigos. Chen contribuiu alguns vídeos do seu gato, Stinky. Não surpreendentemente, o tráfego no site era muito baixo nestes primeiros meses. O que os internautas realmente queriam era ver os últimos videoclips de seus artistas prediletos e episódios de seus programas de TV favoritos. Eles queriam conteúdo profissional.

Em e-mails, que em 2007 se tornaram a peça central de um processo de bilhões de dólares iniciado pela Viacom contra o Youtube por violação de direitos autorais, tanto Karim como Chen defendiam uma atitude laissez-faire e descontraída em relação às leis de direito autoral. Se os donos do conteúdo pediam para o YouTube tirá-lo do ar, o site obedecia. Caso contrário, os fundadores o deixavam no ar.

Em junho de 2005, o site incorporou uma série de novas funcionalidades, incluindo a capacidade de inserir vídeos em outros sites e colocar links entre vídeos, e o tráfego começou a disparar. Em dezembro o YouTube já recebia vários milhões de visualizações por dia. Hoje o site tem 800 milhões de usuários únicos por mês, e gera mais de três bilhões de visualizações por dia. Quarenta e oito horas de vídeo são atualizados no site a cada minuto. Trata-se da primeira plataforma de mídia verdadeiramente global.

Era Google

Em outubro de 2006, a Google comprou o YouTube por US $ 1,65 bilhões. Dentro de um ano, a Google havia domado o “Velho Oeste” da política de direitos autorais que caracterizava o YouTube, tanto através de acordos de licenciamento com grandes provedores de conteúdo, como criando um programa de gestão de conteúdo chamado Content ID, que alerta os detentores de direitos autorais automaticamente sempre que qualquer parte de seu conteúdo é inserido no YouTube. Os proprietários podem optar por remover o conteúdo, vender anúncios nele e dividir os lucros com o YouTube ou usá-lo como uma ferramenta promocional. O Content ID gera um terço da receita do YouTube.

O Programa de Parcerias do YouTube, iniciado em 2007, também teve grande êxito. O YouTube vende publicidade em canais populares criado por “estrelas” do YouTube — comediantes que divulgam seus videos no site, artistas, cozinheiros, etc. Para a maioria dos 30 mil parceiros que hoje participam do Programa de Parcerias, o negócio resulta em algumas poucas centenas de dólares por mês, mas para os primeiros 500 parceiros, verdadeiros campeões de audiência como Shane Dawson, um comediante de 23 anos e Michelle Phan, um guru de beleza vietnamita, a parceria rende mais de cem mil dólares ao ano. Muitos adolescentes da chamada geração Y estão mais familiarizados com estas “web-celebridades” do que com as estrelas da TV, um presságio sombrio para o futuro da televisão tradicional.

Mas há uma categoria na qual o YouTube tem feito pouco progresso. O usuário médio permanence apenas 15 minutos por dia no site, comparado às quatro ou cinco horas que ele passa em frente à TV. Um bloco padrão de programação na televisão dura 22 minutos; no YouTube, um vídeo dura três minutos.

Rick Klau, ex-gerente de produto do YouTube e atual sócio da Google Ventures, explicou: “Nós damos às pessoas sete ou oito oportunidades no curso de uma meia hora de optar por sair do site.”

As pessoas tendem a assistir ao YouTube em seus computadores no trabalho, durante uma pausa de três minutos a cada duas horas. Na TV, os programadores aglomeram certos shows juntos na esperança de que o telespectador não vá mudar de canal, e os canais promovem seus próximos shows durante os intervalos comerciais. Mas no YouTube o usuário é o programador, e cada vez que um vídeo termina ele tem que tomar uma decisão de programação: o que devo assistir a seguir? Com muita frequência, as sugestões de vídeo expostas pelo algoritmo do Youtube não ajudam muito.

Se o YouTube conseguisse fazer as pessoas ficarem no site por mais tempo, poderia vender mais anúncios e aumentar as taxas que cobra dos anunciantes por cada mil visualizações. Anunciantes investem cerca de 60 bilhões de dólares ao ano em anúncios veículados na televisão, mas apenas cerca de três bilhões em vídeo online. Claramente, o YouTube se beneficiaria de conteúdo premium, o tipo de coisa que você pode ver na Netflix.

“Somos absolutamente insignificantes em comparação com a TV”, disse Kyncl. “E é por isso que eu vim para o YouTube. Quero levar esta”, ele apontou para a tela do computador, “para cima, para a tela da TV, e eu acho que nós podemos. E, se o fizermos, o mercado da televisão, que representa 300 bilhões de dólares em todo o mundo, vai mudar de mãos.”

‘Canais Originais YouTube’

Ao todo, Kyncl já recebeu mais de mil propostas de novos canais para o YouTube. Ele e sua equipe ouviram mais de 500 pautas, e conseguiram reduzí-las para pouco mais de uma centena de canais, que receberam financiamento do YouTube para produzir seus programas. As propostas vencedoras farão parte da marca “YouTube Original Channels” (Canais Originais YouTube) e foram anunciadas em uma sexta-feira à noite, pouco antes do Halloween, em um momento geralmente reservado para escândalos e demissões, sinalizando que a terceira era da televisão, o que quer que seja, não será o show business habitual.

Entre os canais escolhidos estão o Life and Times, que se concentrará nos interesses culturais e artísticos do músico e empresário Jay-; 123UnoDosTres, um canal urbano para jovens latino-americanos e o myISH, um canal para recrutar talentos musicais. A Madonna e seu empresário, Guy Oseary, estão desenvolvendo um canal de dança chamado Dance On. Shaquille O’Neal está por trás da rede Comedy Shaq, e há um canal sobre skate, o RIDE, produzido por Tony Hawk.

Brian Bedol, que iniciou o clássico Sports Network na década de noventa, e seu sócio Ken Lerer, o co-fundador do The Huffington Post, receberam fundos para quatro canais: Rede A, um canal de esportes radicais, KickTV, sobre futebol; ComedyOfficial,dedicado a shows de humor; e o LookTV, um canal sobre moda e beleza. O jornal The Onion, a revista Slate, e o Wall Street Journal também estão criando canais, assim como as editoras Hearst e Meredith. Até mesmo a Disney, que não tinha permitido que seus filmes fossem exibidos no YouTube até novembro, concordou em uma parceria com a empresa.

É possível que o YouTube esteja se arriscando demais ao mudar tão drasticamente, da antiga anarquia do conteúdo gerado pelo usuário para este novo conceito de YouTV, onde o controle e a vigilância estão centralizados no coração do Googleplex. Em sua tentativa de aumentar o tempo de permanência no site, atrair mais espectadores e oferecer aos anunciantes um espaço personalizado com públicos bem definidos, o YouTube corre o risco de alienar seu público fidelizado, as “pessoas comuns” que gostam e produzem os vídeos caseiros. O MySpace sofreu uma redução acentuada no tráfego quando alterou a experiência do usuário com redesigns e anúncios. A Netflix perdeu mais de metade do seu valor de mercado e provocou uma revolta dos clientes depois de anunciar que iria separar a venda de streaming da venda de DVDs. É possível que o YouTube cometa um erro semelhante, oferecendo mais nichos do que seu público quer neste momento. Apesar de todas as informações que as novas empresas de comunicação têm sobre seus clientes, às vezes elas erram na hora de adivinhar quando estão prontos para uma mudança.

“Certamente não vai ser fácil”, disse Kyncl do novo empreendimento. “Há muito trabalho a ser feito antes de termos certeza de que o modelo funciona. Mas, como um amigo que acaba de conseguir um emprego em uma das grandes emissoras de TV me disse: ‘Pelo menos vocês estão mirando alto. Há um monte de outras pessoas que estão apenas sentadas, assistindo as coisas acontecerem’”.



Fontes: New Yorker - Streaming Dreams

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